MĂŁe,
NĂŁo hĂĄ um Ășnico dia em que teu nome nĂŁo se revele dentro de mim — nĂŁo no pensamento mecĂąnico, mas naquele canto secreto onde sĂł as coisas eternas sabem morar. Teu nome, mĂŁe, me visita como quem retorna ao lar. E, mesmo quando o mundo me grita pressa, hĂĄ sempre um intervalo em que eu te escuto em silĂȘncio. Como uma canção que a alma conhece antes de aprender.
Tua presença estĂĄ em mim como semente antiga. Silenciosa, mas viva. VocĂȘ floresce na forma como encaro a vida — no modo como afasto a poeira dos sentimentos, como ajeito a alma nos dias em que ela nĂŁo quer caber em mim. Tuas memĂłrias de infĂąncia, que guardava com tantos ensinmentos, sĂŁo meu relicĂĄrio invisĂvel. Um legado que nĂŁo pesa, mas sustenta. Força vestida de leveza. Sabedoria bordada em doçura.
VocĂȘ nĂŁo me ensinou sĂł a manter uma casa em ordem ou reconhecer merecimento nos detalhes. VocĂȘ me embalou quando o mundo me deixou cair. Acolheu meus silĂȘncios, os rancores que eu nem sabia nomear. Me ensinou que toda dor carrega em si uma providĂȘncia — que nada chega Ă nossa porta sem trazer um recado do cĂ©u. E que, Ă s vezes, a fĂ© Ă© sĂł continuar, mesmo quando a alma se cansa.
Tua fĂ©, mĂŁe, era sagrada e simples. A ĂĄgua que escorria das tuas mĂŁos se tornava bĂȘnção. E tua oração — aquela que eu ouvia no quarto ao lado, entre palavras e suspiros — era ponte. Um gesto de amor entre mundos. E eu, que fui filha da tua fĂ©, aprendi que resistir nĂŁo Ă© endurecer. Ă manter o coração firme sem perder a ternura.
Mas como dĂłi... Como dĂłi a tua ausĂȘncia. HĂĄ uma dor que mora no silĂȘncio de nĂŁo mais ouvir tua voz. Uma ausĂȘncia que aperta nos lugares onde antes havia abraço. O tempo, esse senhor distraĂdo, levou dias que eu queria de volta. Palavras que guardei por dizer. Gestos que nĂŁo fiz a tempo. Mas, mesmo na falta, tua presença Ă© farol. InvisĂvel, mas inteiro. Um tipo de amor que nĂŁo some — apenas muda de roupa.
E entĂŁo eu te sinto. Nos detalhes que ninguĂ©m vĂȘ. No cheiro de cafĂ©, no som do vento, na lĂĄgrima que cai sem razĂŁo. Tua presença me atravessa como intuição, como aviso, como abraço que nĂŁo precisa de corpo para existir. E Ă© assim que sigo. Com tua luz acesa dentro de mim. Porque tudo em mim se transforma, mas vocĂȘ permanece.
Hoje, cada vez que escuto alguĂ©m com paciĂȘncia, que acolho com o coração aberto, Ă© vocĂȘ, mĂŁe, quem estĂĄ ali. Em cada escuta que ofereço, em cada afeto que reparto, Ă© o teu amor que age. E mesmo sem teu corpo por perto, tua alma vive nos meus gestos. O que eu sou, Ă© espelho do que vocĂȘ me ensinou a ser.
Caminho, mesmo quando o chĂŁo arde. Porque sei que tua força me embala. Teus ensinamentos me protegem. E tua fĂ© ainda me guia. Sigo com tua memĂłria nos bolinhos de pĂŁo que tento repetir, na forma como olho minha filha, nas risadas que deixo escapar sem motivo — porque era isso que te iluminava: a capacidade de ver leveza onde o mundo pesava.
O que vocĂȘ foi para Maria Laura, eu tento ser para a Manu como tia. VocĂȘ nĂŁo viveu esse tempo com ela, mas deixou em mim um mapa. Um pedido sussurrado: continue. Continue o que eu comecei. E eu continuo, mĂŁe. Faço por por ela, por todas nĂłs. Faço porque aprendi contigo que amar Ă© se doar atĂ© o Ășltimo fio de si mesma, sem esperar nada alĂ©m do milagre de ver o outro florescer.
VocĂȘ me ensinou a ser mulher — nĂŁo qualquer mulher, mas uma mulher que sente o mundo e nĂŁo recua. Que enfrenta com sensibilidade, que ora enquanto luta. VocĂȘ me ensinou o tempo. O tempo de perder, o tempo de reencontrar, o tempo de nĂŁo entender, mas aceitar. O tempo de sentir, mesmo sem resposta. O tempo de amar sem precisar explicar.
Ah, mĂŁe... como Ă© grande o meu amor por vocĂȘ. Como ele cresce, mesmo na tua ausĂȘncia. Como ele Ă© inteiro, mesmo partido. VocĂȘ Ă© a linguagem secreta que pulsa no meu peito. O cĂłdigo sagrado que sĂł minha alma reconhece. A prece mais Ăntima que, mesmo sem ser dita, Ă© ouvida.
Bendita seja nossa histĂłria. Bendita seja tua passagem. Bendita sou eu por ter sido tua filha.
E sigo. Com tua luz em mim.
Com teu nome escrito em tudo o que ainda estĂĄ por vir e que merecemos aprender.
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