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✨Entre a Vida e o Invisível

 

✨Saúde é mais que tudo.


O sopro da vida quase se apagou em mim, como se o próprio espírito estivesse prestes a cruzar um limiar invisível. O covid veio, silencioso e implacável, levando minha força, roubando o ar dos meus pulmões, drenando a luz que parecia me sustentar. Minha saturação despencava, e até segurar o telefone se tornou um ato de coragem. Naquele momento entre o respirar e o não mais respirar, senti a morte como um portal, uma passagem onde a alma se desprende do corpo para se reconstruir em outra dimensão, num espaço sagrado e silencioso.

Eu sabia, lá no fundo do meu ser, que estava me afastando deste plano mas havia uma força maior me segurando, um chamado para permanecer, minha maternidade. Somente quem esteve na fronteira entre a vida e o invisível pode entender o quanto o corpo se desfaz, se esvazia, como se cada célula fosse uma pétala que se solta da flor. Quando finalmente recebi alta, saí de cadeira de rodas, pela mesma porta que via os corpos lacrados deixarem o hospital. Um portal de passagem, uma fronteira entre destinos.

A gasometria, aquela experiência dolorosa que me perfurava, parecia mais do que um exame físico — era um recado da alma. Uma dor interna que lembrava: valorize o que tem, mesmo quando tudo parece escapar. No quarto de isolamento, envolta em silêncio e brancura, sentia a vida escapando, mas também o pulsar sutil do espírito, aquele sopro divino que jamais se apaga. O sabor da comida, um simples gesto, se tornou um milagre. Eu não conseguia nem alcançar a caixinha de água de coco, e uma irmã de alma, uma mulher desconhecida, levantou-se para me ajudar. Eu não tinha forças para sentar, para lutar, e ainda assim, ali estava aquele toque de amor que move mundos.

Minhas mãos e pés perdiam a cor, como se minha energia se retirasse pouco a pouco. Mas senti a urgência de reagir, de não me perder naquele casulo escuro que me envolvia. Sabia, com uma certeza que não vem da mente, mas do coração, que aquele casulo era o portal do retorno — um renascimento do espírito. Um retorno a um lugar profundo e ancestral, um espaço dentro de mim que não se recorda, mas sabe, onde a essência da vida pulsa.

Você já se perguntou por que as tempestades nos encontram? Por que o universo escolhe seu caminho para nos ensinar? Por que essa prova, esse fogo? Se tudo tem um propósito maior, eu aprendi a ressignificar as dores, a acolher as lições do espírito. Aprendi a reaprender a viver, a cada instante, a cada respiração. E mesmo nas sombras, sinto gratidão porque estar aqui é cumprir uma missão que vai além da compreensão, um chamado para ser e estar.

Hoje, recebo tudo com o peito aberto, com humildade e força. Faço meu melhor, não apenas na matéria, mas no campo sutil da energia, no equilíbrio entre corpo, alma e espírito. Porque viver, de verdade, é mais que existir. É sentir a vida em cada célula, resistir, renascer e transbordar amor. A vida é um milagre contínuo, uma dança entre o visível e o invisível, e eu celebro essa dádiva com toda a minha essência.




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